Correio Braziliense - 22 de novembro de 2006 - Além de enfrentar o drama da prostituição, crianças sentem na pele a carga de desconfiança e a condenação moral de professores e colegas do colégio. No Mato Grosso, menina de 15 anos só conseguiu voltar a sentar em frente ao quadro negro depois de ser presa por porte de maconha.
Por Erika Klingl
Mariana chora. Chora quando conta sua história de vida. Quando lembra das humilhações. Da zombaria dos colegas da escola. Chora quando abraça a assistente social que lhe deu apoio. Mariana tem 15 anos de idade. São oito anos de infância e sete como vítima da exploração sexual. Sete anos de exclusão. Marcada pelas ruas, não conheceu um dia sem discriminação. Abandonou cinco escolas, cansada de ser chamada de puta pelos colegas e até por professores. E, só agora, cercada pelas grades de uma instituição para crianças e jovens em conflito com a lei, ela consegue estudar. Cercada por meninas com histórias quase tão sofridas quanto a dela, não se sente deslocada. E tenta recomeçar.
A história de Mariana começou quando ainda era um bebê na barriga da mãe, que trabalhava no garimpo em Apiacás, na região norte do Mato Grosso. O pai também era garimpeiro. A criança foi entregue a uma vizinha que cuidou dela até completar 8 anos. Então, Mariana foi abandonada. Pela segunda vez.
Sem ter onde morar, a garota foi trabalhar em um bordel freqüentado por homens do garimpo. Nos primeiros dias, limpava as mesas. Mas não tardou para que começasse a receber trocados e bebida alcoólica. Tudo para dançar em cima das mesas, que acabaram tornando-se palco para a mirrada menina de 8 anos. O álcool deu lugar à droga menos de seis meses depois. As apresentações de dança deram espaço para a exploração sexual. E assim passaram-se sete anos.
Nesse período, Mariana teve contato cinco vezes com a Rede de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Sempre recebia conselhos e era matriculada em alguma escola. “A história se repetiu toda vez, em todas as escolas. Eles me chamavam de puta e riam na minha cara, dizendo que ali não era o meu lugar. De tanto falarem que eu não valia nada, comecei a achar que não ia aprender nada mesmo”, desabafa. “Na rua, todo mundo me trata bem. Por que eu ia ficar num lugar onde ninguém me queria?”, pergunta.
Pressão
Entre os que humilhavam Mariana, estavam alunos e professores que já tinham visto a menina na Rua das Velhas, ponto de prostituição na cidade. “Pode anotar aí: nunca houve um professor que me ajudou. Nenhum me olhou e disse que eu podia mudar de vida”, resume.
Hoje, Mariana está em um centro de ressocialização de menores em conflito com a lei. Ela foi pega com a ponta de um cigarro de maconha e enquadrada por porte de entorpecentes. O lugar nem de longe inspira qualquer possibilidade de ressocialização. É cheio de grades e sem atividades lúdicas. Mas trouxe, pelo menos, uma vantagem para Mariana. Pela primeira vez, desde os 8 anos, ela é tratada como uma menina normal. Mariana vive em um país em que é necessário estar em uma sala de aula cheia de grades nas janelas para encontrar-se com a educação, a principal chave da cidadania.
Na história de vida de Mariana, a escola teve papel de destaque. Mas em vez de assumir papel de mocinho, o sistema educacional foi carrasco.
“A escola ajudou a vitimizá-la quando deixou a impressão de que, na exploração, ela seria mais feliz. A menina foi uma vítima da incompreensão e da falta de tolerância de professores e diretores que não quiseram enfrentar o desafio de tirá-la da prostituição”, lamenta Dulce Regina Amorim, assistente social do Conselho Tutelar de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá (MT).
Disponível em:
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/clipping/2006/preconceito-na-escola/
Acesso em 30 mar 2010
Por Erika Klingl
Mariana chora. Chora quando conta sua história de vida. Quando lembra das humilhações. Da zombaria dos colegas da escola. Chora quando abraça a assistente social que lhe deu apoio. Mariana tem 15 anos de idade. São oito anos de infância e sete como vítima da exploração sexual. Sete anos de exclusão. Marcada pelas ruas, não conheceu um dia sem discriminação. Abandonou cinco escolas, cansada de ser chamada de puta pelos colegas e até por professores. E, só agora, cercada pelas grades de uma instituição para crianças e jovens em conflito com a lei, ela consegue estudar. Cercada por meninas com histórias quase tão sofridas quanto a dela, não se sente deslocada. E tenta recomeçar.
A história de Mariana começou quando ainda era um bebê na barriga da mãe, que trabalhava no garimpo em Apiacás, na região norte do Mato Grosso. O pai também era garimpeiro. A criança foi entregue a uma vizinha que cuidou dela até completar 8 anos. Então, Mariana foi abandonada. Pela segunda vez.
Sem ter onde morar, a garota foi trabalhar em um bordel freqüentado por homens do garimpo. Nos primeiros dias, limpava as mesas. Mas não tardou para que começasse a receber trocados e bebida alcoólica. Tudo para dançar em cima das mesas, que acabaram tornando-se palco para a mirrada menina de 8 anos. O álcool deu lugar à droga menos de seis meses depois. As apresentações de dança deram espaço para a exploração sexual. E assim passaram-se sete anos.
Nesse período, Mariana teve contato cinco vezes com a Rede de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Sempre recebia conselhos e era matriculada em alguma escola. “A história se repetiu toda vez, em todas as escolas. Eles me chamavam de puta e riam na minha cara, dizendo que ali não era o meu lugar. De tanto falarem que eu não valia nada, comecei a achar que não ia aprender nada mesmo”, desabafa. “Na rua, todo mundo me trata bem. Por que eu ia ficar num lugar onde ninguém me queria?”, pergunta.
Pressão
Entre os que humilhavam Mariana, estavam alunos e professores que já tinham visto a menina na Rua das Velhas, ponto de prostituição na cidade. “Pode anotar aí: nunca houve um professor que me ajudou. Nenhum me olhou e disse que eu podia mudar de vida”, resume.
Hoje, Mariana está em um centro de ressocialização de menores em conflito com a lei. Ela foi pega com a ponta de um cigarro de maconha e enquadrada por porte de entorpecentes. O lugar nem de longe inspira qualquer possibilidade de ressocialização. É cheio de grades e sem atividades lúdicas. Mas trouxe, pelo menos, uma vantagem para Mariana. Pela primeira vez, desde os 8 anos, ela é tratada como uma menina normal. Mariana vive em um país em que é necessário estar em uma sala de aula cheia de grades nas janelas para encontrar-se com a educação, a principal chave da cidadania.
Na história de vida de Mariana, a escola teve papel de destaque. Mas em vez de assumir papel de mocinho, o sistema educacional foi carrasco.
“A escola ajudou a vitimizá-la quando deixou a impressão de que, na exploração, ela seria mais feliz. A menina foi uma vítima da incompreensão e da falta de tolerância de professores e diretores que não quiseram enfrentar o desafio de tirá-la da prostituição”, lamenta Dulce Regina Amorim, assistente social do Conselho Tutelar de Várzea Grande, na região metropolitana de Cuiabá (MT).
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